O projeto foi premiado no Concurso de Estudantes | 9ª Bienal Internacional de Arquitetura 2011 – 2 ° Prêmio – Categoria: EX AEQUO – Ágora Desterro.
Fundada como Nossa Senhora do Desterro, a cidade de Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, é hoje uma cidade que ao longo dos últimos anos se caracterizou como um pólo turístico devido principalmente aos seus atrativos naturais. Tendo os investimentos voltados principalmente para o turismo, a cidade carece de espaços e infraestruturas voltadas para seus próprios habitantes. A ausência de espaços públicos de lazer, de equipamentos culturais e uma deficiente mobilidade urbana caracterizam o perfil da cidade.
O sítio escolhido para intervenção é onde hoje se encontra o Terminal Cidade Florianópolis, também conhecido como ‘Antigo Terminal’ pois hoje já não exerce o papel de principal terminal da cidade.
A área encontra-se junto ao núcleo central e em seus arredores encontram-se a Igreja Matriz, a Praça XV, o Largo da Alfândega, e o Forte Santa Bárbara – edifício militar que se caracteriza como último resquício da memória da presença do mar como integrante da dinâmica urbana.
Após a década de 70, o local foi marcado pela construção do Aterro da Baía Sul, um solo criado de cerca de 600.000m², a maior área livre da cidade, porém com problemas de definição de usos, voltada ao transporte automotor em detrimento dos pedestres e do contato com o mar.
A área do aterro foi concebida para viabilizar o novo projeto viário que contava com a construção da ponte Colombo Salles, e não tendo definido sobre o que se faria com as áreas livres entre as vias de trânsito rápido, optou-se por destinar estas áreas residuais para locais de caráter público para recreação e lazer.
Dentre algumas propostas para a área, a que foi parcialmente executada foi a do arquiteto paisagista Roberto Burle Marx, porém o parque não chegou a ser aceito e incorporado à cidade, muito devido às vias que interrompiam a relação do parque com o ambiente urbano. Rapidamente a área foi ocupada de acordo com o interesse de cada governo, o que resultou em um mosaico de serviços: estacionamento de carros e ônibus, camelódromo, entre outros.
Produto da lógica rodoviarista, o Terminal Cidade Florianópolis instala-se entre duas malhas antagônicas: o centro antigo e a nova área resultante do aterro, trazendo novo fluxo ao comércio da região. Com a transferência de grande parte das linhas para o novo Terminal de Integração Central – em frente ao Mercado Público – foi inevitável que o comércio das áreas adjacentes fosse prejudicado.
A queda do movimento comercial devido a este deslocamento somado também à diminuição do número de moradores na região central, reforçou o caráter temporário do uso do local, que assim como a área central como um todo, funciona prioritariamente nos períodos de horário comercial.
O comércio da região atende principalmente aos funcionários de instituições como a Secretaria de Estado da Educação, o IBGE e também aos estudantes dos cursos pré-vestibulares e colégios presentes na região. Vale destacar ainda a presença dos bares e restaurantes da Travessa Ratclif, que são hoje o único atrativo noturno presente na área.
Além de comércios variados como papelarias, lanchonetes e restaurantes, sebos, brechós, a área conta ainda com alguns pontos de referência cultural na cidade, como o Museu Victor Meirelles, o Arquivo Histórico e Galeria Municipal de Arte Pedro Paulo Vecchietti e a Cinemateca Catarinense.
Subutilizado, hoje o aterro caracteriza-se como um não-lugar, e fica claro que suas grandes dimensões não foram acompanhadas por uma intervenção que propiciasse a apropriação do local pela população, que tornou-se um vazio urbano – um espaço sem um uso com o qual a população se identifica.
O LUGAR DO VAZIO
Pensando o Terminal Cidade Florianópolis como um “vazio” na cidade e dada a sua subutilização e obsolescência – vista aqui como condição que ocorre a um serviço que deixa de ser útil, mesmo estando em perfeito estado de funcionamento, devido ao surgimento de outro mais avançado -, considerou-se como diretriz principal, a possibilidade de reintegrar a área à malha urbana e principalmente possibilitar a identificação das pessoas com o local, assim como ocorria na época em que o mar fazia as vezes de espaço público integrador da cidade.
Tem-se, portanto, um programa complexo para uma área complexa. É preciso considerar as reais necessidades da cidade hoje e pensar em como atender todas as demandas programáticas, mas também trazer a cidadania ou o exercício desta para a área e para a cidade como um todo. Cidadania como o exercício de direitos e deveres de um indivíduo, como exercício da liberdade individual e consciência da liberdade do outro.
Objetiva-se um lugar de possibilidades para o exercício da cidadania. Um vazio de possibilidades. Vazio não como um local sem uso, sem ocupação, mas um espaço livre que proponha – e não imponha – atividades e que possibilite a cultura. Uma ágora – um espaço público por excelência, o lugar da cidadania por definição.
Considerando a rua como lugar livre e público que conecta a cidade, pensou-se na permeabilidade e continuidade inerentes desta como partido norteador no desenvolvimento da proposta. O espaço público como estruturador dos espaços, conecta através do vazio, os programas propostos. Como uma rua conecta os lugares da cidade.
Pensando em como as ruas podem adentrar o espaço construído, buscou-se liberar toda área hoje ocupada pelo Terminal a fim de proporcionar uma continuidade da malha urbana para dentro do local de intervenção.
Por isso, considerou-se que o mais adequado em termos de funcionalidade e espacialidade, era deslocar o Terminal Cidade Florianópolis para junto dos outros terminais, na área entre o Terminal Interurbano Rita Maria e o Terminal de Integração Central. Assim, a articulação entre estes seria facilitada, do mesmo modo que o deslocamento das pessoas entre os terminais se daria de maneira mais eficiente.
Considerou-se também que o comércio que depende diretamente do fluxo advindo do Terminal hoje, deveria ser incorporado e assim fortalecido através dos programas propostos. Estes não devem funcionar a partir da lógica de substituição, mas sim de uma lógica de funcionamento mútuo entre os programas e os comércios já existentes no bairro.
A partir desta prerrogativa, estruturaram-se em primeiro lugar, os vazios – os locais públicos coletivos – e a partir destes, os espaços propostos pelos programas. Estes se compõem permitindo a permeabilidade e a continuidade entre os espaços através de todos os pavimentos, culminando em uma área pública de estar e contemplação da cidade.
O ESPAÇO CONSTRUÍDO
O edifício compõe-se por um térreo livre, uma ágora, um lugar de multiplicidade de usos. Um local de acolhimento, que pode conformar espaços de estar e que ao mesmo tempo abriga eventos de diferentes âmbitos tais como feiras livres, manifestações culturais e eventos temporários.
No primeiro pavimento há um auditório multiuso que pode abrigar sessões de cinema, shows, concertos, peças de teatro e palestras. Este programa surge a partir da necessidade de suprir uma demanda por uma sala de espetáculos que seja de fácil acesso na cidade e que possua infraestrutura para grandes espetáculos. O auditório multiuso visa também servir à escola que se encontra no terceiro pavimento. Ainda neste pavimento encontram-se restaurantes e áreas de estar que se conectam diretamente com a praça do térreo e com o Forte Santa Bárbara.
O segundo pavimento é destinado à Policlínica que suprirá a demanda por um local de saúde que além de pronto-atendimento realize também exames e pequenas cirurgias.
No terceiro pavimento encontra-se a Escola de Formação Técnica para o Audiovisual e Teatro. Este programa visa preencher uma lacuna existente quanto à formação e produção do teatro e do cinema locais. Esta escola tem por objetivo formar técnicos capacitados, o que viria a incentivar a produção de espetáculos e fomentar a produção audiovisual regional. A escola conta com salas de aula, laboratórios de fotografia, iluminação, som e imagem, ateliês para produção de figurinos e cenários, salas de ensaios, além de uma biblioteca especializada com um espaço de leitura e estar aberto ao público. Há ainda neste pavimento um espaço comercial destinado ao cinema e vídeo, para oferecer a infraestrutura necessária para atender à produções audiovisuais de todos os portes, com equipamentos para locação e venda e ainda alguns serviços como equipe de filmagem, operação de equipamentos e suporte técnico.
O quarto pavimento abriga os escritórios coworking em que profissionais, principalmente aqueles em início de carreira, dividem espaços de trabalho coletivos. É uma maneira prática e viável de manter um espaço de trabalho e ainda propicia a inter-relação de profissionais de diversas áreas. Os espaços vão desde estações individuais de trabalho, até estações de trabalho em grupo e salas de reunião. Há ainda um espaço destinado a um ateliê coletivo e aberto onde os profissionais podem realizar maquetes, protótipos, estamparia, etc.
O quinto pavimento funciona como uma extensão dos escritórios coworking, mas desta vez o espaço corporativo se relaciona com outros usos. Há neste pavimento um restaurante popular, voltado não só para os funcionários do prédio, mas também para todo o bairro.
Há ainda um albergue, um programa de residências temporárias em um espaço que propicia a interação entre pessoas de diversos locais e que possui um público alvo abrangente e de grande rotatividade. Ao invés de quartos convencionais, optou-se por ‘cápsulas’ que se caracterizam por quartos compactos que podem abrigar de quatro a oito pessoas, minimizando assim o espaço individual e maximizando o espaço de convívio coletivo.
Logo acima deste, encontra-se o pavimento destinado às residências permanentes que divide com o espaço urbano um local público de estar e contemplação da cidade. São residências destinadas em sua maioria a estudantes, profissionais em início de carreiras e jovens famílias. São duas tipologias propostas: os apartamentos tipo kitinete que abrigam até duas pessoas e os apartamentos de dois dormitórios que abrigam até quatro pessoas.
O espaço verde existente neste pavimento tem como objetivo ser uma extensão do térreo, da ágora e por isso seu acesso pode ser feito a partir desta ou a partir dos demais pavimentos. Os moradores, porém, contam com um acesso privativo por meio de elevadores que dão acesso direto do térreo às habitações.
- Instituição de ensino: Universidade Federal de Santa Catarina
- Créditos fotográficos: Romullo Baratto Fontenelle